176 ANOS FORMANDO MÚSICOS DE EXCELÊNCIA

Terceirizados: trajetória dos profissionais que colocam a Escola de Música da UFRJ em primeiro lugar

Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso que, de forma sistematizada, foram extintos nas carreiras dos servidores públicos federais e estaduais os cargos de: servente, porteiro, vigilante, marceneiro, jardineiro, bombeiro e muitos outros.

De lá, para as décadas seguintes, esses cargos e outros não citados foram incluídos na expressão Atividades-meio, e passaram a ser ocupados por uma nova classe de trabalhadores no Brasil: os terceirizados.

  Nadeja Costa
 
 Da esq. para dir.: :o senhor Francisco Martins de Oliveira, a senhora Maria Herotildes dos Santos, e o senhor Ricardo Santana Soares
   
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Agora, nem tanto. Mas, tinha uma época que eu sabia soletrar o nome de todos os professores, mesmo os mais difíceis, inclusive o da professora Veruschka. Imagina, não é fácil. Mas, como todo dia eu dava a chave a todos eles, porque tudo era aqui, eu sabia.

Ricardo Antonio Santana Soares, vigilante

E por assim ser, empresas particulares passaram a ser demandadas por estatais e autarquias, para que a contratação desses serviços, remuneração, cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias dessa nova classe de trabalhadores passassem a ser de suas responsabilidades.

Como nas demais Instituições Federais de Ensino Superior, a UFRJ passou a contratar empresas em acordo à nova legislação trabalhista, e, no caso específico da Escola de Música, o resultado de tais contratações faz com que, atualmente, sejam nove os trabalhadores terceirizados que, em tempo superior a uma década, se encontram nesta Unidade de Ensino.

Trabalhadores que por solicitação de Ronal Xavier Silveira, recém eleito para cumprir o segundo mandato de Diretor desta Unidade, são aqui nomeados: Lourdes Ferreira, Maria Herotildes dos Santos, Ângela Maria de Lemos, Francisco Martins de Oliveira, Ricardo Antonio Santana Soares, José Claudio da Silva, Alexandre Silva Ribeiro, Carlos José Meireles de Oliveira e Rogério da Silva Brito.

Para elaboração desta matéria, desses nove trabalhadores, foram entrevistados cinco deles. Isso porque, tão logo foram realizadas as duas primeiras entrevistas, instalou-se a certeza de que por vivenciarem em seus postos de trabalho experiências comuns, experiência aqui entendida como alteração da consciência que é adquirida através da interligação indissolúvel das relações construídas no tempo e no espaço, uma vez que toda experiência é experiência de um tempo vivido, e, claro, esse tempo é vivenciado em um espaço, os não entrevistados terminaram também por serem citados ou mencionados os serviços que prestam.

 Um dos exemplos desta afirmativa foi dado pelo senhor Francisco que ao ser indagado sobre a razão de não ter deixado de trabalhar quando ficou sem salário, de imediato, fez questão de dizer que não havia sido o único.

E citou o senhor Denilson da Silva que também trabalhou sem salário naquele período, informando em acréscimo, que esse senhor não mais faz parte dos trabalhadores terceirizados da Escola de Música da UFRJ.

E para que ficasse esclarecido sobre o porque de tal situação ter sido vivenciada por ele e outros colegas de trabalho em tempos atrás, explicou a seguir não ser raro a rescisão de contratos entre

  Reprodução
 
 Senhora Ângela Maria de Lemos recebe o certificado de bons serviços prestados.

as empresas e a UFRJ. E em uma dessas situações, ficaram sem contratos de trabalho e, consequentemente, sem salários pagos pela empresa. Mas, que, naquela ocasião, a UFRJ pagou a eles um mês de salário através da Fundação Universitária José Bonifácio- FUJB-, após terem sido avisados que, talvez, a Universidade não pudesse dispor de mais recursos para repetir tal procedimento, até que fossem contratados por outras empresas. Mas, ele e o colega mencionado optaram por ficar trabalhando.

Quando novamente foi a ele indagado porque assim procederam, mesmo com as supostas dificuldades financeiras, respondeu: “porque, na época, o então diretor da Escola, André Cardoso, e as autoridades da UFRJ nunca haviam faltado com a palavra”. E a essa declaração acresceu que: “a professora Maria José Chevitarese, quando foi diretora da Escola nunca faltou com a palavra, assim como o atual diretor, Ronal Xavier Silveira, também nunca faltou com a palavra empenhada”.

Isso exposto, cabe esclarecer que essa matéria não tem por pauta discorrer a respeito das ausências e atrasos de pagamentos, de passagens, de vale alimentação, embora nas entrevistas tais assuntos não deixaram de ser mencionados, quando eram citadas as empresas pelas quais foram contratados em um passado já distante.Isso porque, dos relatos dos entrevistados e das entrevistadas que aqui foram nomeados e, ainda, de suas relações com aqueles que não foram ouvidos, três denominadores comuns emergiram. Denominadores que testemunham que as dificuldades enfrentadas em suas vidas estão como que dissolvidas em suas falas por um sentimento que parece nada poder tocar ou destruir: o amor pela Escola de Música da UFRJ.

Amor que foi traduzido em seus relatos no cuidado com o patrimônio material dessa Unidade de Ensino; em suas memórias dos processos de restauração do Salão Leopoldo Miguéz e do órgão Tamburini; nas recordações a respeito das mudanças arquitetônicas realizadas no Prédio de Aulas e, consequentemente, na transferência de parte das disciplinas e dos serviços administrativos para o Edifício Ventura; e, ainda, na observação da evolução acadêmica e profissional de alunos que não mais fazem parte dos cursos de graduação da Escola.

Na demonstração desse sentimento, o primeiro desses denominadores repousa no fato dos três prédios que a Escola de Música ocupa se encontrarem muito distantes dos lugares onde moram, uma vez que a senhora Maria Heroltides tem sua casa em Senador Camará; o senhor Francisco e o senhor Carlos, em Nova Iguaçu; a senhora Ângela e o senhor Ricardo em Bangu; a senhora Lourdes, na Mangueira; o senhor Rogério em Belfort Roxo; o senhor Alexandre, na Penha; e o senhor Claudio em Japeri.

Mas apesar dessas distâncias e dos percalços do trânsito com os quais se defrontam diariamente, fazendo com que, sem exceção, saiam de suas casas no mais tardar às 4:30h, elas e eles se fazem presentes às 7:00h em seus respectivos postos de trabalho, para que docentes, técnicos e discentes possam desenvolver suas atividades de Ensino, Pesquisa, Extensão e Aprendizagem.

Contudo, se por um lado, esse sentimento que nutrem pela Escola de Música manifestou-se nas entrevistas através de idêntica opinião, ou seja, de ser ela, nos três prédios que ocupa, considerada pelos entrevistados e entrevistadas, como se “suas casas fossem”, por outro lado, a partir  “desse amor que sentem por ela” sentimentos diversos são vivenciados pelas senhoras Ângela Maria, Lourdes e Maria Herotildes.

Enquanto as senhoras Ângela Maria e Lourdes dizem do Edíficio Ventura, onde trabalham, “aqui a gente está entre quatro paredes; é grande, mas é um prédio frio; aqui é gelado”, e, em oposição para ambas, “o Prédio 1 é mais aconchegante; é mais humano; tem uma energia gostosa; lá tem todo aquele movimento de todo mundo entrando e saindo; aqueles elevadores, aquelas escadas ...tudo lá é lindo; e eu amo aquele prédio”, que é somado ao receio da senhora Ângela de para ele não poder voltar a trabalhar, já que encontra-se próximo o tempo de se aposentar, a senhora Maria Herotildes traz consigo a alegria de novamente poder estar trabalhando na Biblioteca Alberto Nepomuceno.

Contou a senhora Maria Herotildes  que, “quando chegou para trabalhar na Escola, em 1999, seu filho tinha seis anos de idade. Hoje ele tem trinta e um e já é pai”. E fez saber que, quando se viu longe do trabalho dedicado diariamente à Biblioteca Alberto Nepomuceno e também afastada das pessoas com as quais interagia em conseqüência de ter cumprido as exigências legais para ser aposentada, teve dificuldade de ficar em casa.

Então, amparada pelo fato de ter sido uma boa prestadora de serviços, buscou novamente a empresa, foi recontratada e pôde, em suas palavras “voltar a trabalhar no mesmo lugar que considera como se sua casa fosse”.

A materialidade concedida ao segundo denominador comum presente nas entrevistas  tem por procedência o cuidado que possuem com o patrimônio material da Escola e o mesmo sentimento que permaneceu nas memórias da senhora Ângela e do senhor Francisco, a partir da experiência advinda com a transferência de parte das atividades docentes e administrativas para o Edifício Ventura.

Quando na entrevista, existia perceptivelmente, um tom de orgulho na voz do senhor Ricardo, quando disse ser uma das poucas pessoas que conhece por dentro a máquina do órgão Tamburini, uma vez que “ajudou a família Rigatto  a desmontá-lo; viu tudo ser retirado; madeira ser trocada; veneno para cupim ser colocado”,sem deixar de informar  a seguir que “só essa família que é de São Paulo sabe mexer no Tamburini”.

Sobre a restauração da fachada e das esquadrias do Prédio de Aulas, ele conta que também acompanhou. E para comprovação dessa informação, disse que o “seu interior não foi todo restaurado, mas que nas antigas salas 301 e 301B foi feita uma grande melhora e que tudo ficou muito bonito em relação ao que era, porque antes eram salas divididas com paredes bem velhinhas, com uma lâmpada velha. Agora são  lâmpadas bonitas que estão lá na Sala da Orquestra, na Sala Coro 1 e na do Coro 2”.

Os objetos deixados sobre os pianos, mesmo que seja apenas uma folha de papel e as capas não recolocadas nas harpas é motivo de incômodo para esse vigilante que disse “não saber tocar nenhum desses instrumentos e não saber do valor de cada um, mas sabe que são muito valiosos e, por isso, cuida deles, assim como da guarda de todos os demais”.

Nos trabalhos por eles e elas desenvolvidos constam: a guarda dos Prédios 1 e 2; a recepção aos docentes, técnicos, estudantes e visitantes; a entrega das chaves das salas e o controle da entrada e saída da utilização de todas elas;  a colocação e retirada de equipamentos nas salas; a limpeza das salas e copa do Edifício Ventura; a abertura e fechamento dos portões dos estacionamentos dos Prédio 1 e 2; as rondas diárias pelos andares dos prédios para verificar se as  janelas se encontram devidamente fechadas ou não, assim como se as lâmpadas foram ou não deixadas acesas; se as capas dos instrumentos foram recolocadas e, se os carrinhos  e equipamentos deixados em lugares indevidos foram recolocados em seus lugares.

O segundo denominador, comum a todas as entrevistas, adveio inicialmente do fato de ter sido “muito triste encaixotar tudo e trazer para cá” (Edifício Ventura), como dito pela senhora Ângela.  A essa tristeza somou-se o impacto causado nela e no senhor Francisco pelo vazio que era o andar agora lá ocupado pela Escola de Música, depois que parte das atividades do Prédio 1 foram para lá transferidas: “só havia um vão enorme; tudo lá era um vazio só, acompanhei as montagens das divisórias e da parte elétrica na gestão do professor André Cardoso”.

Na intersecção das três realidades dos servidores da Escola de Música, isto é, da realidade daqueles que estão inseridos na carreira docente, na dos técnicos e na dos terceirizados, os narradores que deram existência a essa matéria, deixaram claro que mesmo não possuindo a tranqüilidade que é concedida àqueles aos quais é garantida a estabilidade, deles não é possível que seja retirado o sentimento de pertencimento à Escola de Música da UFRJ.

Sentimento de pertencimento que se manifesta na observação da trajetória de alunos/as que não mais fazem parte dos cursos de graduação, na gratidão por aquilo que foi possível aprender com os servidores técnicos, no carinho que docentes e técnicos e discentes demonstram ter por eles e elas, nas amizades construídas no dia- a- dia do trabalho e na dor pela morte de alguns dos amigos que não mais estão presentes na Escola. 

Entre outros exemplos, Francisco se recorda do tempo em que “Gilieder Veríssimo e Matheus Lisboa, que hoje são trompetistas da Orquestra Sinfônica da UFRJ, eram alunos”. Ricardo sabe que “Diego, que se formou no Curso de contrabaixo, hoje trabalha como músico no exterior; que Luan formado no Curso de Piano também foi para o exterior e que Rafaela formada no Curso de Harpa, fez concurso e hoje trabalha em Minas Gerais”.

A senhora Maria Heroltides não escondeu sua gratidão à Diretora da Biblioteca Alberto Nepomuceno, Dolores Brandão, a Diretora Suelen Dias e demais bibliotecárias pelo fato de terem ensinado a ela a higienizar os livros e a compreender como eles são organizados.

Gratidão semelhante a da senhora Maria Herotildes tem o vigilante Ricardo pelos “docentes que o tratam por seu nome, ou, que, como a pianista acompanhadora Regina Claudia o chama de guardinha”.

A senhora Lourdes que, carinhosamente, é chamada de Dona Lurdinha, faz questão de classificar o tratamento a ela concedido pela senhora Fátima Toscano como sendo “igual ao de uma mãe ao filho”. E do que pensa e sente a respeito do atual diretor, Ronal Silveira disse que: “não tenho e nem encontro palavras para dizer tudo de maravilhoso que ele é como ser humano”, após acrescentar a seguir que: “quem vem para cá e não fica, são aqueles que têm preguiça de trabalhar”.

Esse sentimento de gratidão e alegria foi expresso em tom máximo pela senhora Ângela Maria ao contar que, “em 2022, foi homenageada pela turma de formandos do Curso de Licenciatura que deu a ela um diploma de bons serviços, de amizade, companheirismo e orientação. Eu chorei à beça, fui aplaudida de pé por todo mundo, lá no Salão Leopoldo Miguéz, que estava lotado. Foi muito gratificante, para mim foi um reconhecimento do que eles dizem que eu faço.”

De todos os sentimentos que vivenciam e já vivenciaram ao longo dos anos em suas respectivas jornadas de trabalho a única nota de pesar foi expressa pela senhora Lourdes: a perda de dois amigos maravilhosos que tinha na Escola de Música da UFRJ: Estela Lima da Costa e Elizeu Barbosa de Freitas que faleceram durante a pandemia, vítimas da COVID-19.

Do reconhecimento ao trabalho desenvolvido por Lourdes Ferreira, Maria Herotildes dos Santos, Ângela Maria de Lemos, Francisco Martins de Oliveira, Ricardo Antonio Santana Soares, José Claudio da Silva, Alexandre Silva Ribeiro, Carlos José Meireles de Oliveira e Rogério da Silva Brito, e, por serem acolhidos pelo corpo social da Escola de Música do mesmo modo que são os docentes e técnicos que das carreiras estáveis da prestação de serviços públicos fazem parte, Ronal Silveira assim se assim se expressa a respeito de todos eles no que segue.

“Os servidores terceirizados são parte da espinha dorsal que sustenta esse organismo vivo que é a universidade pública. Desempenham um papel fundamental no funcionamento das estruturas, do atendimento e, não poucas vezes, são o primeiro contato do público externo com a instituição.

Neste ano em que comemoramos os 175 anos de nossa Escola de Música e trazemos as parcerias como um ponto fundamental para a sustentabilidade da instituição, destacamos a importância dos nossos colegas terceirizados, pois parcerias são institucionais, mas instituições são feitas por pessoas e a mais importante conexão que uma Escola de Música pode fazer é aquela que aproxima as pessoas, dirigindo objetivos comuns que são realizados no dia-a-dia, na troca, na experiência, na generosidade das pessoas.

Nesses 175 anos, gostaríamos de homenagear todos que se conectaram com nossa instituição e, muito especialmente, queremos destacar a importância dos nossos colaboradores terceirizados que ao longo dos anos demonstraram seu amor por nossa Escola de Música. A todos os colegas citados nesta matéria, muito obrigado! “

Correspondência

Escola de Música da UFRJ
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