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Desmistificando a educação a distância

Dentre as diversas mudanças observadas nos processos educacionais ao longo dos últimos anos, uma das mais relevantes é, sem dúvida, a popularização da educação a distância (EaD). De acordo com a legislação brasileira, em termos conceituais, a EaD pode ser definida como “a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.

2023 que e EAD Ensino a DistnciaPara se ter uma ideia, entre 2011 e 2021, o número de estudantes matriculados em cursos superiores de graduação nessa modalidade aumentou 474%. Se em 2011 os ingressos por meio de EaD correspondiam a 18,4% do total, dez anos depois, em 2021, esse percentual chegava a 62,8%. Os dados integram o Censo da Educação Superior 2021, divulgados no fim do ano passado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC).

Esse processo de crescimento da EaD no país tomou uma proporção especialmente significativa a partir de 2017, quando o Decreto Nº 9.057 trouxe uma série de mudanças nas permissões de realização de cursos desse tipo. A norma em questão viabilizou que instituições de ensino superior passassem a oferecer cursos de EaD independentemente do credenciamento para cursos presenciais.

Outro marco importante para tal expansão foi a pandemia de covid-19, ocasião em que milhares de instituições tiveram que mudar completamente suas estratégias de ensino do dia para a noite, se vendo forçadas a rever muitas de suas rotinas escolares. A necessidade imposta por esse motivo de força maior acabou por gerar não apenas um aprimoramento das ferramentas de comunicação a distância existentes, mas também um acúmulo de conhecimento prático acerca do tema. Assim, muito do que inicialmente ainda era feito em caráter experimental até 2020 acabou eventualmente sendo incorporado e institucionalizado.

Contudo, apesar dessa recente expansão da EaD, sua aceitação ainda está longe de ser uma unanimidade. Os motivos são os mais variados: falta de confiança por parte dos atores envolvidos, falta de respaldo das instituições que promovem esse tipo de educação, sensação de que o diploma “valeria menos” do que o de um curso presencial, e até mesmo certo corporativismo de professores que apontam o modelo EaD como um risco à manutenção de empregos. Em linhas gerais, é possível notar que existe ainda um senso comum que simplifica a questão ao opor, de um lado, a boa educação presencial e, de outro, a má qualidade da educação a distância.

De acordo com o professor de Piano da Escola de Música da UFRJ Ernesto Hartmann, essa visão maniqueísta ainda encontra certa dificuldade de ser superada justamente por conta dos preconceitos nela embutidos. “Poderíamos também pensar no mau ensino presencial e no bom ensino a distância. Ou em ambos ruins. Ou ainda em ambos bons”, provoca o docente, antes de concluir seu raciocínio: “A questão é que uma modalidade não se opõe à outra. Elas são complementares”.

Tendo ministrado a disciplina Teclado no Prolicenmus, curso pioneiro de Licenciatura em Música EaD, fruto de um convênio entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outras seis instituições parceiras, entre elas a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde lecionava à época, Hartmann fala com conhecimento de causa.

Iniciado em 2008, o Prolicenmus contou com um público-alvo constituído por professores de Música que já atuavam nos sistemas públicos de ensino de diversas regiões do país, mas que ainda não possuíam habilitação legal — Licenciatura em Música — para o exercício da função. Segundo Hartmann, a experiência foi muito positiva, tendo em vista que foi o primeiro curso de graduação na modalidade EaD realizado no Brasil, utilizando-se de forma bastante vanguardista dos softwares e plataformas de comunicação e videoconferência então disponíveis.

Já entre os principais desafios, o professor destacou um em especial: “a evasão na educação a distância é muito alta”. O curso ofereceu inicialmente 840 vagas. Ao todo 724 alunos cumpriram as exigências para se matricularem, 614 compareceram à aula inaugural e, em 2012, após nove semestres, formaram-se 189.

A experiência é descrita em detalhes no livro “EAD na Formação de Professores de Música”. A publicação conta com um capítulo assinado pelo próprio professor Ernesto Hartmann, que é otimista quanto às possibilidades que o modelo pode agregar à tradicional educação presencial: “Sempre haverá questões que precisam ser resolvidas presencialmente e outras que podem ser resolvidas a distância. Não existe uma oposição entre uma e outra, mas uma complementaridade. É só uma questão das pessoas começarem a ver que funciona, que existem tecnologias pra isso. Caminhamos para um modelo cada vez mais híbrido onde as ferramentas que são características da EaD daqui a pouco estarão se fundindo com o ensino presencial”, concluiu.

Sua percepção se coaduna com a de Ronal Silveira, diretor da Escola de Música da UFRJ. Num momento em que se busca atualizar o projeto pedagógico da Escola, ele explica que o que está em jogo, de forma alguma é um conflito entre modalidades de ensino, mas sim um melhor aproveitamento das tecnologias disponíveis, de modo a trazer uma importante complementação ao modelo tradicional. Para ele, a EaD poderia impactar em especial o leque de possibilidades de abrangência das ações extensionistas da Escola, ou mesmo de determinadas disciplinas de cunho mais teórico.

 O que prevemos inicialmente não são necessariamente cursos, mas atividades de extensão, como por exemplo, conferências, congressos. Podemos imaginar masterclasses onde um professor no exterior ministre aulas para os alunos da EM, ou então, como já aconteceu, um professor da EM fazendo uma conferência para alunos de graduação da Universidade de Quilmes em Buenos Aires, disse ele.  Atualmente há essa possibilidade de que um professor esteja em uma universidade dando aulas para alunos de outra instituição”, ilustrou.

Mesmo ciente do potencial existente nessa combinação de modelos, Ronal destacou a necessidade de levar a discussão à comunidade acadêmica, em especial aos alunos e professores da EM mediante a revisão de seu projeto pedagógico. “Precisamos perder o receio de que o uso da modalidade EaD vai precarizar o ensino, pois vários exemplos mostram exatamente o contrário. Ela veio para fortalecer as práticas presenciais. Mas isso é algo que teria que estar previsto no projeto pedagógico da EM”, frisou.

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