A mais recente ópera de João Guilherme Ripper, compositor e docente da Escola de Música, foi apresentada em novembro em Portugal. A obra é baseada nas cartas de Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723), publicadas pela primeira vez em francês no ano de 1669.
Clausura
“É uma ópera sobre a clausura”, segundo Ripper, que acrescentou ao texto das cartas, passagens bíblicas e poemas do poeta barroco português Rodrigues Lobo. “As cartas falam de amor, melancolia, ódio, esperança. São temas recorrentes, que perpassam sua escrita. E eu senti a necessidade de incluir outros elementos para criar um sentido de evolução dramática para a narrativa”, explicou.
Com regência do maestro Hannu Lintu e tendo a soprano Carla Caramujo como solista, a encenação é a mesma da estreia em agosto na temporada da Osesp, que a encomendou em parceria com a Fundação Gulbenkian.
Paixão
EU era moça, era crédula, tinham-me metido neste Convento em menina, nunca tinha visto ninguém tão agradável nem ouvido as lisonjas que me dizia a todo o momento. Cheguei a convencer-me que lhe devia as graças e a beleza que me achava e em que me fazia reparar. Ouvia dizer bem de si e todos o encareciam. Era incansável na diligência para me fazer crer que me amava. Mariana Alcoforado – Quinta carta |
Mariana Alcoforado nasceu em Beja em 1640. Com onze anos, é obrigada a entrar para um convento, a fim de ficar a salvo da guerra com Espanha e para honrar o testamento materno que a nomeava freira do Convento da Conceição. Sem ter nenhuma inclinação religiosa, foi destinada a uma vida enclausurada.
Um dia (não se sabe a data precisa) chega à cidade de Beja um regimento francês, comandado por Frederico de Schomberg, para apoiar o país contra Espanha na Guerra da Restauração (1640-1668). Quis o destino que o seu olhar se cruzasse com o do jovem oficial francês Noel Bouton. Mariana estaria na janela de Mértola do convento, e dessa troca de olhares nasceria um amor imediato e profundo. Tendo então a idade de vinte anos, deixou-se dominar por uma incontrolada paixão que a fez introduzir Bouton secretamente na sua cela durante várias noites.
Descobertos os amantes, a notícia dessa relação difundiu-se causando escândalo. Sóror Mariana pertencia à poderosa família dos Alcoforados, e temeroso das consequências, Bouton saiu de Portugal, com o pretexto da enfermidade de um irmão e prometeu mandar buscá-la.
Repercussão
Na sua espera, em vão, escreveu cinco cartas, que acabaram sendo conhcidas como Cartas portuguesas e se tornaram um dos mais emblemáticos textos do barroco. Atravessadas por profundas reflexões sobre o amor não correspondido e repletas de sofrimento, dor e mágoa pelo abandono, foram publicadas em Paris por Claude Barbin, e logo avaliadas entre as mais comovedoras do gênero. “As Cartas” anteciparam o movimento literário romântico e serviram de inspiração a La Bruyère, Saint-Simon, Saint-Beuve e muitos outros autores.
Mais recentemente foram revisitadas por três escritoras portuguesas, sob o título de Novas Cartas Portuguesas (1972). A obra, considerado um marco do pensamento feminista português, foi censurada e aberto um processo contra as três autoras - as denominadas Três Marias: Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno. O processo foi suspenso e as autoras absolvidas após a Revolução de 25 de Abril de 1974.
FICHA TÉCNICA João Guilherme Ripper Orquestra Gulbenkian Jorge Takla, Encenação * Estreia em Portugal. Encomenda no âmbito SP-LX – Música contemporânea do Brasil e de Portugal. Gravada na Fundação Gulbenkian no dia 6 de novembro de 2020 |
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