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Professor Marcelo Fagerlande comenta sobre a edição de vinte anos da Semana do Cravo

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 Professor Marcelo Fagerlande, organizador da Semana do Cravo (créditos: Ana Clara Miranda)

Tendo completado neste ano duas décadas de existência, a Semana do Cravo tem sido, desde 2004, um espaço único para o intercâmbio artístico e acadêmico no campo do cravo. Organizado pelo cravista e professor Marcelo Fagerlande, da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o evento reuniu, no mês de abril, professores e alunos de diversas instituições brasileiras que oferecem o ensino do instrumento.

Durante os dias 24, 25 e 26 de abril, a EM/UFRJ foi o epicentro das atividades, que incluíram mesas-redondas dedicadas ao ensino do cravo, recitais de jovens talentos, e o lançamento de um volume comemorativo contendo a tradução para o português do "Método de Baixo Contínuo ao Cravo", de L. Bourmayan e J. Frisch. Esta obra, agora disponível gratuitamente em formato impresso e digital, representa um marco significativo para a comunidade cravística brasileira, graças aos esforços de uma equipe de renomados profissionais, incluindo Fagerlande, Mayra Pereira, Maria Aida Barroso, Luciana Camara, Daniele Barros e Ilma Lira.

Entre os destaques das discussões deste ano, estiveram temas relacionados ao ensino do cravo, incluindo debates sobre práticas pedagógicas e a integração do instrumento no contexto brasileiro. A professora Patricia Michelini Aguilar, coordenadora do Promus (Programa de Pós-graduação Profissional em Música da UFRJ), entrevistou o professor Marcelo Fagerlande para saber um pouco mais sobre a Semana do Cravo de 2024.

Confira:

Patricia Aguilar: Professor Fagerlande, a Semana do Cravo deste ano recebeu participantes de várias cidades do Brasil. Poderia nos falar um pouco sobre a diversidade de origens dos participantes?

Marcelo Fagerlande: Contamos com a participação de professores e alunos vindos, além do Rio, de São Paulo, Campinas, Tatuí (SP), Recife, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Goiânia e Brasília. É uma amostra bastante significativa dos lugares no Brasil onde se ensina cravo no país.

Patricia Aguilar: Quanto às atividades realizadas durante a Semana do Cravo, poderia destacar algumas delas?

Marcelo Fagerlande: Nós tivemos o formato habitual das Semanas do Cravo, com mesas redondas com os professores e recitais com os alunos das respectivas instituições. Normalmente, as mesas estão relacionadas aos temas que os professores pesquisam. Mas nesta edição, com exceção de uma única mesa relacionada ao cravo e música barroca, em todas as outras mesas, nós tivemos interessantíssimas discussões sobre a prática do ensino de cravo, seja em universidades brasileiras ou nas instituições de ensino médio. Isso foi muito importante porque, na verdade, a Semana do Cravo é um congresso de cravistas. Trata-se do único fórum no Brasil no qual a gente se encontra e debate questões importantes para nós. E essa questão do ensino já tinha acontecido, embora de maneira mais tênue em anos anteriores. Assim, eu achei que, nos 20 anos da semana, era importante a gente parar, sentar e discutir, trocar informações sobre o que nos aflige, quais são as dificuldades que nós enfrentamos, quais são as soluções que, eventualmente, a gente encontra para solucionar os problemas ou não.

Tivemos retornos superinteressantes e mesmo emocionantes, não só de pessoas menos experientes, como de pessoas muito experientes, que mencionam o quanto foi importante a Semana do Cravo de 2024 para que sejam sugeridas novas mudanças, novas propostas para currículos. Isso aconteceu agora, recentemente, com a professora Helena Jank, da Unicamp. Mas não só com ela. Tenho ouvido de vários colegas o quanto essas discussões foram frutíferas.

Acho que podemos considerar que os nossos objetivos foram alcançados agora. É claro que tem muito trabalho pela frente sempre, porque a gente enfrenta problemas sérios, mas unidos, trocando ideias e discutindo, pensando nas soluções, a gente certamente acha um caminho melhor para o Cravo e para o seu ensino no Brasil.

Patricia Aguilar: Quais foram os destaques em relação às apresentações ocorridas no evento?

Marcelo Fagerlande: É muito bonito podermos observar uma diversidade muito grande entre os alunos. Contamos com a participação de alunos de todo tipo de origem, de todo tipo de bagagem. Não é à toa que escolhemos como arte para a divulgação da vigésima semana justamente um patchwork com a silhueta de um cravo. Isso mostra que o denominador comum entre nós é o cravo, mas a nossa bagagem é muito ampla e diferente entre cada um de nós, tanto professores quanto alunos. E isso ficou evidente nos recitais. O repertório de cravo é tão imenso, é tão grande, que a gente raramente tem repetição de uma mesma obra. Os programas, por exemplo, são propostos pelos próprios alunos. E seus professores enviam para a gente, através das inscrições. E em 99,9% das vezes, a gente não tem repetição de obra, o que é uma coisa bem interessante. Como eu disse, isso ilustra como o repertório de cravo é um repertório imenso. Eu gostaria também de destacar que a gente teve, dessa vez, uma participação muito especial do Camerata de Cordas da UFRJ, dirigida pelo nosso colega Fernando Pereira. É uma meninada super animada que, tocando bem, colaborou com a Michele, que é a nossa aluna, agora no mestrado (PROMUS). Foi apresentado um concerto de Bach para cravo e cordas. Foi muito bonito. Esse foi o encerramento da semana.

Em relação às dificuldades, e eu não estou falando de 2024, mas também me referindo aos 100 anos que a gente pesquisou durante o século XX, uma delas é que o cravo é sempre anunciado como uma novidade, como alguma coisa exótica. É incrível como mesmo em 2024, depois do trabalho de tanta gente no Brasil, divulgando, tocando e ensinando cravo, ele ainda seja um instrumento desconhecido. Isso é curioso já que, na verdade, ele é um instrumento que está presente na história da música pelo menos de 1600 a 1800. É difícil você falar de um grande compositor dessa época que não tenha escrito para cravo, ou que ele próprio não tenha sido cravista. E aí eu cito simplesmente Bach, Scarlatti, Handel, Couperin, Rameau, entre outros. É incrível como, mesmo hoje em dia, o instrumento desses compositores não só é desconhecido, como muitas vezes não é valorizado. Em função disso, a gente sempre precisa fazer esse trabalho de divulgação. Por outro lado, a visita, sobretudo de muitos alunos de fora do estado participando dos debates e das mesas contribui para que o instrumento fique cada vez mais conhecido, e consequentemente, cada vez sofra menos preconceito.


Patricia Aguilar: Por fim, o que o senhor destacaria como comentário geral sobre a Semana do Cravo deste ano?

Marcelo Fagerlande: Por fim, o comentário geral que eu gostaria de fazer é que, embora tenhamos recebido financiamento da Faperj este ano, o fato que possibilita a realização deste evento há 20 anos é a adesão de todos, dos professores e colegas de fora. E, se não fosse isso, a gente não teria um evento com tanto sucesso, posso dizer sem falsa modéstia, porque, desde o início, isso aconteceu, tendo a gente verbas pomposas ou verbas mais magras. Mas sempre houve adesão dos colegas de fora e, consequentemente, dos seus alunos. Então, isso é o que faz com que a semana persista e que seja um sucesso e que atraia tanta gente. A semana sempre atraiu gente e eu espero que continue atraindo. E eu sempre agradeço à Escola de Música, aos programas de pós-graduação, pelo apoio e aos colegas do Ventura. É uma união de esforços para que funcione.

Eu não podia deixar de mencionar também o lançamento do Método de Baixo Contínuo, de Frisch, como um motivo de comemoração para todos nós. Essa tradução do original francês para o português, com a publicação de vários exemplares impressos que foram distribuídos gratuitamente na Semana por conta de um patrocínio da Capes, representa uma conquista significativa. E ter disponibilizado o material para download gratuito nos sites dos programas de pós-graduação também é um motivo de muita felicidade. Trata-se de uma obra importante não só para quem faz cravo, baixo contínuo, mas para quem estuda música barroca de um modo geral e mesmo harmonia. É uma forma incrível de estudar harmonia ao teclado. Já tivemos muito retorno de pessoas que sempre tiveram interesse e que já estão agora baixando o material. Esperamos que isso continue e que seja uma ferramenta que auxilie bastante os interessados no assunto.