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Homenagem a Léo Soares

No último dia 11, completou-se um mês do falecimento do professor Léo Soares.

Léo Soares iniciou seus estudos musicais através do violino, mas, aos 12 anos, fez sua opção pelo violão. Dono de uma técnica brilhante e possuidor de uma grande musicalidade, o violonista começou a lecionar em 1966, passando então a integrar de importantes projetos nesta área. Destacam-se suas participações como diretor dos Seminários de Música Pró-Arte/Rio de Janeiro, onde atuou até a década de 1980. Tornou-se também professor do Conservatório Brasileiro de Música e do Curso de Graduação da Escola de Música da UFRJ, onde foi vice-diretor e chefe de departamento. Aposentou-se em 2012 como Decano do Centro de Letras e Artes.

Na ocasião de seu falecimento, o professor Paulo Pedrassoli Júnior gentilmente escreveu esse depoimento para o site da Escola de Música, que agora reproduzimos como uma homenagem a Léo Soares:

“Conheci Leo Soares em 1984, em uma das muitas edições do Festival Internacional de Férias de Teresópolis, um tradicional festival de música erudita que levava à serra fluminense alguns dos mais destacados professores e músicos, numa programação intensa de aulas e concertos. Alunos e professores, vindos dos mais variados estados brasileiros, ficavam alojados durante um mês na sede da Pró-arte, no bairro Alto, convivendo e trocando experiências e conhecimentos.

Eu tinha dezessete anos quando fui convencido pelos amigos Vladimir e Robinson a fazer o curso, porque lá estaria um excelente professor de violão. Na minha ingenuidade, eu achava que tocava bastante bem e logo me destacaria, mas já no primeiro dia de aula a realidade se descortinou à minha frente, quando percebi que quase todos os alunos do curso tinham muito mais experiência e conhecimentos do que eu. E lá estava o professor Leo Soares, animado com o início dos trabalhos, com todos os alunos de violão reunidos numa sala ampla a praticar, sob seu comando, exercícios de técnica em grupo. Tal metodologia se repetia todas as manhãs, enquanto que à tarde ocorriam as aulas individuais.

Logo percebi que a dinâmica de grupo favorecia o entrosamento e o convívio salutar entre os alunos. Mas também havia ali um clima de magia, uma alegria de se sentir fazendo música, uma motivação que, no meu caso, foi se tornando cada vez mais profunda.

Com o término do curso, fui procurar o professor Leo Soares para aulas particulares. Na sua residência, conheci a Ruth e as filhas Luciana e Mariana. O Leo atendia os alunos num quarto bem adaptado com cadeiras, estante de música e uma pequena biblioteca. Eu sempre chegava ansioso, mas a simpatia e cordialidade do mestre logo criavam um ambiente favorável. Nas aulas, eu percebia que o Leo tinha uma técnica apurada e uma sonoridade muito bonita. Ademais, gostava de falar e filosofar sobre o sentido da arte, da música e, preferencialmente, sobre o papel do intérprete no contexto da performance musical. Quando trabalhava as obras musicais com seus alunos, o Leo dava muita atenção à questão da digitação, que consiste na escolha dos dedos e das cordas a serem tocadas – já que, no violão, uma mesma nota pode ser produzida em posições diferentes - e que se reflete na movimentação geral de ambas as mãos. Para ele, a digitação deveria exprimir o caráter musical e a integridade timbrística do fraseado melódico idealizado pelo compositor, para além das questões técnicas e do complexo mecanismo que envolve o ato de tocar.

Estudei com o Leo Soares por mais uns dois anos, voltando aos cursos de Teresópolis em 1985 e 1986. O tempo passou e tornei-me músico, mas sentia a necessidade de fazer uma graduação na área. Procurei o antigo mestre, então professor de violão no Conservatório Brasileiro de Música e me matriculei nos anos noventa. O Leo me recebeu da maneira afetuosa de sempre, conversou comigo e disse não haver mais sentido em me dar aulas, pois já me considerava um mestre. Recebi suas palavras lembrando-me do adolescente inseguro que, tempos antes, tremia ao tocar na sua presença. Graduei-me e ‘caí na vida’, tocando e dando aulas.

Nosso reencontro definitivo ocorreu após o meu ingresso como professor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2008. Agora éramos colegas no mesmo departamento. Quando o Leo tornou-se chefe, pude conhecer outras facetas de sua personalidade. Educadíssimo no trato com os colegas e com os funcionários, sempre simpático e sorridente, tratando a todos com a mesma atenção e consideração, o Leo conquistou o carinho e a admiração daqueles com quem convivia. Às vezes, saíamos da Escola de Música no mesmo horário e o Leo fazia questão de me oferecer carona até minha casa, mesmo que isso implicasse algum desvio de trajeto. A generosidade era evidente e, no caso, juntava-se ao enorme prazer de dirigir, que o Leo cultivava desde jovem, enquanto era piloto de automobilismo.

O legado de Leo Soares para a cultura musical brasileira manifesta-se pelas mãos dos inúmeros intérpretes violonistas que marcaram suas posições enquanto artistas, no Brasil e no mundo, influenciados por seus ideais estéticos e motivados por sua cativante energia.

Deixo essas memórias e impressões - na forma de depoimento - como tributo e gratidão profunda ao mestre e amigo Leo Soares.

Rio de Janeiro, 13 de julho de 2024".

Paulo Pedrassoli Júnior