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História carioca temperada a cravo

O jornal Correio da Manhã publicou (20/02/2021) matéria de página dupla sobre lançamento do livro “O Cravo no Rio de Janeiro do século XX" (Riobooks), resultado de pesquisa de pós-doutorado do professor Marcelo Fagerlande, concluída cem a participação das também musicólogas e cravistas Mayra Pereira, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Maria Aída Barroso, da Universidade Federa de Pernambuco (UFPE).

História carioca temperada a cravo

Três musicólogos trazem em livro uma
requintada pesquisa que resgata o
instrumento na cena musical da cidade

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Por Oiga de Mello

Em 2014, intrigado com o desconhecimento a respeito do Cravo no cenário música carioca, o cravista Marcelo Fagerlande buscou jornais do início do século XX pum verificar a presença do instrumento na vida cultural da cidade. “O CORREIO DA MANHÃ foi uma das principais fontes desse estudo”, lembra Marcelo, um dos mais reconhecidos instrumentistas do país, que, em 2014, criou o curso de da graduação em cravo na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é professor. O estudo transformou-se em tema de seu segundo pós-doutorado, iniciado em 2017, a pesquisa em si foi concluída cem a participação das também musicólogas e cravistas Mayra Pereira, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Maria Aída Barroso, da Universidade Federa de Pernambuco (UFPE). Nascia o livro “O Cravo no Rio de Janeiro do século XX” (Riobooks, R$120), finalizado pelos autores ao longo de 2020, com conversas diárias por vídeo e telefone. Isolados devido à pandemia, mas sem deixar de lado as aulas on-line para seus alunos universitários, eles falaram sobre o panorama da música clássica brasileira e o trabalho cooperativo em tempos de confinamento.

20210221correiodamanhaxdestaqueComo foi a montagem deste livro em plena pandemia?

Marcelo Fagerlande — A pandemia, em que pese tudo de triste é dramático, para nós, foi providencial. Tivemos muito mais tempo disponível para as longas horas de revisão do texto, de pesquisa iconográfica, de reuniões com a designer. com a editora, na elaboração do índice onomástico com que 1.000 nomes... O trabalho criativo funcionou como atividade terapêutica, e nos dava uma alegra cotidiana. Como criei o curso de graduação em cravo na UFR), tinha a convicção de que era nossa obrigação conhecer mais sobre o instrumento, na cidade, no XX. Reuni uma equipe, porque um trabalho desses com tal volume de informações, não poderia ser feto por uma única pessoa. A equipe inicialmente em maior e foi sendo “decantada” até chegar a três nomes. Mayra e Maria Ada foram consultores, pois eu, à partir de 1980, torno-me personagem e não seria adequado escrever cobre mim mesmo! Ambas foram minhas orientandas de mestrado, e se destacaram por suas qualidades músicas e de pesquisadoras. Toraram-se professoras em suas cidades e são colegas maravilhosas, com quem compartilhar é aprendo muito.

A que vocês atribuem desconhecimento a respeito da música clássica e instrumentos antigos nesse país, que tanto cultua o trabalho musical popular?

Maria Aída Barroso — Ao longo da pesquisa detectamos um padrão na forma como o tema era tratado nas notícias. O cravo aparece recorrentemente citado como instrumento desconhecido ou exótico, apesar de todos os esforços dos escravistas em torná-lo accessível, seja pela realização de concertos nos locais mais diversos, seja pela proposta de aproximá-lo da música popular. Se no início do século XX o instrumento estava desaparecido da cena musical carioca, não podemos dizer o mesmo das últimas décadas daquele século. No entanto, seguiu-se vinculando o cravo a algo que remete a um outro tempo, embora seja um instrumento para o qual ainda hoje se compõe e que tem se mostrado versátil e adaptável à modernidade. O cravo é um instrumento atual assim como a flauta. Talvez fosse um momento de trazer o discurso sobre o caso para o pPresente.  

A qual o universo de leitores você se dirigiram?

Mayra Pereira – Quando começamos a estruturar o livro a partir do imenso volume sistematizado de dados textuais e iconográficos que coletamos, percebemos que tínhamos nas mãos não só registros essencialmente musicais, englobando história, prática, crítica e recepção. Aspectos culturais e sociais da cidade do Rio de Janeiro, como as interseções do instrumento com as artes visuais, literatura, cinema e vida cotidiana permeavam todo o material que pesquisamos. Compreendemos então que o livro poderia interessar a um público muito mais amplo do que apenas aos músicos. Por isso tivemos o cuidado de escrever de forma leve e fluida, fugindo do rigor dos textos acadêmicos, organizado em tópicos não muito longos e que permitissem uma leitura descontinuada. Afinados com a editora e com a designer gráfica, investimos também na diagramação do volume, transformando-o também em um belo e convidativo livro de artes.

Existe uma máxima popular de que o povo não gosta/não compreende música clássica. No entanto, concertos a preços populares ou gratuitos sempre têm um bom público, pelos menos os de orquestras sinfônicas. Isso também acontece na música de câmera? Há renovação desse público?

Maria Aída Barroso – Os concertos das orquestras sinfônicas costumam ser muito atraentes. Não só pela massa sonora, a diversidade dos instrumentos, como também pela mítica en torno de alguns maestros e solistas. Em geral são realizados em grandes salas ou teatros e há ainda a possibilidade de concertos em locais abertos, o que, de certa forma, de democratiza o acesso. A música de câmara requer salas menores, com ambientes acústicos mais intimistas. Pela sua natureza tem um público menos numeroso. Quanto â renovação do público,  entendo que está vinculada à oferta de concertos e eu acesso que é dado a eles, com ingressos a preços que caibam em diferentes tipos de orçamento.  

O livro é dedicado a Roberto de Regina. Houve outros incentivadores e divulgadores da música barroca executada pelos instrumentos para os para os quais ela foi composta antes dele?

Marcelo Fagerlande – Roberto reuniu as atividades de intérprete, construtor e divulgador do cravo. Fez toda diferença. No livro, mencionamos uma série de nomes, inclusive brasileiros, que se apresentaram ao cravo na cidade, como Alfredo Bevilacqua, em 1906, Gabriella Ballarin, em 1940,  Violetta Kunderl, a partir de 1949, sem falar na argentina Lucila Machuca de Garcia, que deu o primeiro recital no Theatro Municipal, em 1936, e foi presença marcante até a década de 1950. Mais a primeira apresentação na cidade aconteceu em 1904, no Theatro Lyrico, por uma cravista belga, que trouxe os instrumentos!

Este livro vem de uma pesquisa para o pós-doutorado. Como é o panorama do ensino de cravo no Brasil?

Marcelo Fagerlande – Nos anos 1960/70/80, o ensino era particular; através de cursos de férias (de curta duração). Na década de 1980, adquiriu um peso maior com Helena Jank, que criou um curso na Universidade Federal de Campinas (Unicamp). Também contribuí, a partir de 1995, quando fiz concurso para a UFRJ e posteriormente criei o bacharelado e mestrado. Hoje a cursos de graduação no instrumento e cursos profissionalizantes em diversas regiões do país. Além da Unicamp, UFRJ e UFPE, são oferecidos cursos na Escola de Música de Brasília, Escola Municipal de Música de SP, Conservatório de Tatuí, entre outros. A semana do cravo, na UFRJ, que organizo desde 2004, tem sido um ponto de encontro desta gente toda, alunos e professores! Tudo isso levou a uma maior profissionalização E um nível mais alto dos alunos, que tem perfil muito variado, sem relação a qualquer camada socioeconômica especifica.  São jovens que se apaixonaram pelo instrumento! Eu, que estudei piano, fui aos poucos me identificando com este outro mundo. É muito diferente do piano: a estética, a técnica, o repertório, as possibilidades de se fazer música com outros, desde câmera até óperas.  Há um aspecto artesanal, de afinarmos as 180 cordas, de regular e trocar cordas e o lindo visual muito particular de cada instrumento.

Mayra Pereira – Há dezenas de cravistas atuando de norte a sul do Brasil atualmente. São músicos de várias gerações realizando atividades artísticas, ainda que com limitações devido a diminuição de investimentos na área da cultura, e, sobretudo, didáticas. A expansão da oferta de ensino formal do instrumento a partir da década de 1980, com a criação de cursos de graduação, pós-graduação e técnicos em cravo, tem possibilitado, para além de uma maior acessibilidade à formação específica, novas oportunidades de trabalho para os cravistas profissionais. Especialmente nos últimos anos sugiram vagas tanto para docentes quanto para a cravistas acompanhadores em algumas instituições de ensino. Resta-nos saber qual será o futuro do cravo e dos cravistas no país. Aliás, essa é a pergunta que encerra nosso livro.

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