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A Música como vocação: histórias inspiradoras dos alunos da EM/UFRJ

A busca por uma formação acadêmica na área de Música é uma decisão pessoal e apaixonada, muitas vezes movida por uma identificação profunda com a arte e com o desejo de compartilhar essa paixão com o mundo. Muitos aspiram a carreiras como intérpretes de destaque em orquestras, grupos de câmara ou como solistas de renome. Para outros, a educação musical é o chamado, com o desejo de compartilhar seu conhecimento com as futuras gerações.

   Nadeja Costa
 
  Cecília Fabião e Feliciano Comé

Devido à sua excelência acadêmica e ao comprometimento com um desenvolvimento musical abrangente, a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro representa há 175 anos um verdadeiro farol para aqueles que desejam transformar esse sentimento em uma carreira sólida e gratificante. Suas salas e corredores reverberam uma rica diversidade de acordes e ritmos, refletindo as diferentes especializações oferecidas. Seja na graduação, abrangendo instrumentos clássicos, canto, composição, regência e musicoterapia, ou em seus dois programas de pós-graduação — Programa de Pós-Graduação da Escola de Música (PPGM); e Programa de Pós-Graduação Profissional em Música (PROMUS) — a EM/UFRJ atrai uma ampla gama de estudantes.

Mas se o amor pela música é o motor inicial, nossos universitários definitivamente não estão alheios aos desafios do mercado de trabalho. O cenário musical está em constante transformação, exigindo dos músicos não apenas versatilidade, mas também determinação sem precedentes. Assim, não é raro se deparar com alunos cujas histórias de vida são marcadas pela superação de desafios, por tropeços e recomeços, bem como pela busca incansável pelo aprimoramento.

Cecília Fabião, por exemplo, de Engenharia a Piano, seguiu sua paixão depois de uma reviravolta na pandemia, ressaltando como hoje a música a faz sentir completa. Patrícia Espinoza, de Relações Internacionais a Regência, encontrou uma ligação entre a diplomacia e a Música, e futuramente espera inspirar mais mulheres a ingressarem na área. Já o músico moçambicano Feliciano Comé superou uma odisseia repleta de obstáculos antes de finalmente encontrar na UFRJ o lugar para ver seu sonho florescer. Os três compartilharam um pouco sobre suas trajetórias de vida, suas motivações na área musical, seus anseios e seus caminhos até a nossa Escola.

Das engrenagens da Engenharia às teclas do piano

Esse caminho nem sempre é algo linear e muitas vezes está repleto de desvios de percurso. Exemplo disso é a vivência acadêmica de Cecília Fabião, de 21 anos, que cursa o quarto período do bacharelado em Piano na EM/UFRJ. Após ser admitida no vestibular de Engenharia, a jovem iniciou seus estudos com perspectivas promissoras na Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2020. No entanto, o turbilhão da pandemia deu uma guinada inesperada em seu trajeto. Enquanto a incerteza pairava, ela começou a questionar o verdadeiro significado de sua jornada e o que a movia de fato. Não apenas em termos de futuras conquistas financeiras, mas acima de tudo o que realmente a fazia sentir-se completa. “Teve um dia em que eu simplesmente disse: Não é isso que eu quero!”, lembra Cecília.

Essa epifania surgiu como uma revelação clara de que, se nada fizesse, no futuro lamentaria profundamente não ter seguido sua paixão pela Música. “Um pensamento veio muito espontaneamente na minha cabeça de que eu iria me arrepender muito quando eu chegasse ao fim da minha vida e eu não tivesse vivido da música”, desabafa. A partir dessa virada de chave, tomou uma decisão que impactaria seu futuro. Largaria a Engenharia e recomeçaria seus estudos para realizar um novo ENEM e para preparar-se para o Teste de Habilidade Específica (THE) em busca de seu lugar na Escola de Música da UFRJ.

A decisão, segundo ela, foi certeira. “Estou muito feliz porque eu descobri que realmente é isso que me move, que me dá ânimo”, diz Cecília antes de completar: “Estou na Escola de Música e não me vejo fazendo outra coisa, pois tocar piano pra mim é o que mais faz sentido”. Em sua visão, a EM/UFRJ oferece um vasto leque de oportunidades aos alunos permitindo-lhes tocar ao lado de músicos renomados, nacionais e internacionais, propiciando a ela e seus colegas contato com diferentes perspectivas culturais e musicais que muito agregam em sua formação.

Quanto ao futuro, Cecília já planeja expandir seus horizontes após a graduação, considerando a possibilidade de buscar um mestrado fora do Brasil. A UFRJ, através de suas parcerias institucionais, se apresenta como um facilitador para alcançar esse objetivo. Ela também destaca a importância do curso não apenas aprimorar suas habilidades como intérprete, mas também prepará-la para o ensino. E enfatiza estar adquirindo bagagem não apenas como música, mas como educadora também.

“Dar aula é uma carta na manga imprescindível não só por trazer uma estabilidade financeira, mas porque lecionar não é só ensinar, é também aprender”, comenta a jovem, já vislumbrando o conhecimento que poderá vir a adquirir com seus futuros alunos caso a docência cruze seu destino.

A diplomacia musical

As mudanças de rumo também são familiares a Patrícia Espinoza, de 25 anos, que cursa o segundo período de Regência Orquestral na EM/UFRJ. A jovem começou sua jornada acadêmica no mundo das Relações Internacionais, mas uma paixão latente pela Música sempre a acompanhou, mesmo depois de concluir sua formação como internacionalista.

Ao refletir sobre a importância que dava à Música, Patrícia se deu conta de que isso não era mais apenas um hobby, mas algo que desejava que fizesse parte de sua vida de forma profissional. Foi quando repensou seu caminho. A transição, contudo, não foi desprovida de incertezas. “Eu tive um certo receio antes de tomar a decisão de estudar Música com um olhar mais profissional, primeiro porque eu não venho de uma família de músicos e muito menos conhecia outros músicos, então não sabia muito bem o que fazer ou qual caminho seguir”, confessa.

Sem conexões musicais preexistentes, ela conta que buscou conselhos de professores de piano e explorou diferentes possibilidades antes de se decidir. “Cheguei a cogitar cursar bacharelado em Piano, que também sempre foi uma paixão minha e ainda é, mas quando comecei a pesquisar sobre os demais cursos e vi a grade de Regência na UFRJ, eu fiquei encantada tanto pela sua prática musical quanto pela possibilidade de ter uma maior visão sobre vários aspectos diferentes da Música”, lembra.

A virada veio quando Patrícia assistiu a ensaios do Maestro Roberto Duarte regendo a Orquestra Jovem de Niterói. O encontro com a prática da regência e o incentivo de músicos e professores lhe encheram de coragem e a fizeram perceber que o caminho da mudança era o correto a seguir.

A transição de Relações Internacionais para Regência pode parecer incomum à primeira vista. Mas a jovem rapidamente encontrou uma ligação surpreendente entre as duas áreas, abraçando a ideia da diplomacia musical. “É muito engraçado como eu vejo agora muitas semelhanças entre essas duas profissões, porque no final das contas a gente aprende nas Relações Internacionais que o diplomata tem a missão de mediar acordos para representar os interesses de seu país no exterior e a arte da Regência não é muito diferente, já que a função do regente é conduzir um grupo de músicos a fim de tentar transmitir as intenções de uma determinada obra e compositor”, explica. “O que muda é o tipo de harmonia que a gente busca”, completa a estudante.

Quanto às expectativas profissionais, Patrícia adoraria ter a oportunidade de tocar em algumas orquestras que admira desde jovem tanto no Brasil quanto no exterior. Atenta à necessidade de promover maior diversidade e inclusão nesse campo, ela também comenta que gostaria de “incentivar mais mulheres a buscarem seu espaço nesse mercado”.

Satisfeita com o percurso que está trilhando, a universitária deixa uma lição de convicção aos que buscam uma transição acadêmica ou mesmo uma nova formação. “Não me arrependo nem um pouco da minha escolha e estou adorando poder aprender mais não apenas sobre o meu instrumento e os diversos outros dentro de uma orquestra, mas também sobre o que fazer para não reger nenhuma guerra”, brinca a jovem sem esconder sua veia diplomática.

Do Sudeste africano ao Sudeste brasileiro

Já para Feliciano de Castro Comé, um talentoso músico moçambicano de 43 anos que atualmente cursa o segundo período do mestrado em Regência, a jornada até a EM/UFRJ foi repleta de obstáculos que não apenas testaram sua resiliência, mas também o levaram a encontrar um lugar onde seu sonho pudesse florescer. Após concluir em 2010 sua licenciatura em Música na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Moçambique, ele trabalhou como professor na mesma instituição ministrando aulas de Análise e Técnicas de Composição e Seminário sobre Composição.

O desejo de expandir seus horizontes acadêmicos sempre o acompanhou. Havia, porém, um complicador geográfico a ser superado. “Embora tivesse necessidade de uma ampliação na minha formação, isso era algo impossível no meu país uma vez que lá não existem cursos de pós-graduação em Música”, explica.

De lá para cá, o músico travou uma verdadeira odisseia para dar continuidade aos seus estudos. A primeira chance foi em 2011 na Universidade de Aveiro, em Portugal, na área de Regência Coral, mas circunstâncias e desafios imprevistos se interpuseram em seu caminho. Em 2020 concorreu a uma vaga de mestrado em Regência na Universidad Nacional de las Artes, na Argentina. Veio então a pandemia e a turma não avançou. Meses depois o moçambicano tentou pela primeira vez o caminho do Brasil. Concorreu a uma vaga na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mas não obteve sucesso.

No fim do fatídico ano, o músico ainda tentaria uma oportunidade na Bélgica, mas, às vésperas do exame, recebeu a informação que lhe caiu como um balde de água fria. “Não fui fazer a prova porque devia ser presencial, mas só tive acesso a essa informação quando faltava apenas uma semana para o exame”, disse o músico. “Eles provavelmente pensaram que eu estivesse naquele país”.

Determinado, Feliciano não hesitou. Foi em frente. Em 2021 foi aprovado no curso de mestrado em regência na UFRN e em janeiro do ano seguinte deu início aos seus estudos de forma remota. Percebendo que em algum momento precisaria estar no Brasil, solicitou então autorização para se afastar de suas funções na UEM, de Moçambique, onde, para além de professor, era também já diretor do curso de licenciatura em Música desde 2015.

Junto à permissão, veio a má notícia: devido às restrições orçamentárias em seu país, ele não contaria com apoio financeiro para seus estudos no Brasil. Para complicar tudo mais um pouco, superadas as restrições sanitárias da covid-19, as aulas do segundo semestre na UFRN voltavam agora ao regime presencial. “Aí fiquei em pânico porque não tinha como sair do meu país para seguir com os estudos e já não estava mais trabalhando”, conta o aguerrido músico que, à época, chegou a apresentar um quadro inicial de depressão.

No limiar de desistir de seu objetivo, Feliciano fez sua última tentativa. “Quando já não tinha mais esperanças e inclusive pensava em desistir de lutar por este sonho de estudar Regência, eis que numa atitude de puro desespero naveguei no Google e casualmente me deparei com o edital da UFRJ que estava aberto e tinha uma vaga para a área”, lembra.

Depois da tempestade, o Sol sempre aparece. Aprovado, o novo aluno conta que a EM/UFRJ não apenas está superando suas expectativas, mas também lhe proporciona um ambiente vibrante e enriquecedor para aprofundar sua paixão pela Música. “Isto diz muito para alguém que saiu do seu país para ir atrás de um sonho”, comenta.

Feliciano destaca também a qualidade das aulas de Regência e a competência dos docentes, alguns dos quais gentilmente o aceitaram como assistente (professores Carlos Almada, Fábio Aduor, Pauxy Gentil Nunes e Rodrigo Cicchelli). “Há outros que igualmente merecem o meu muito obrigado, como o prof. Giulio Draghi, o prof. Sergio Alvares e o prof. Joao Vidal, que tem me ajudado desde o processo seletivo e principalmente no processo para conseguir a bolsa CAPES, que me permitiu estar no Brasil, além das professoras Juliana Melleiro e Maria José Chevitarese, que é, sem dúvida, a minha mãe acadêmica”, agradece o moçambicano para quem a jornada na UFRJ é muito mais do que uma mera busca por um diploma.

Ele carrega consigo um desejo profundo de levar os conhecimentos adquiridos na Escola para sua comunidade em Moçambique, onde planeja contribuir para a cena musical e educacional através da pesquisa dos ritmos locais. Sua formação na UFRJ o capacitará a desempenhar um papel crucial como regente coral e educador musical, respondendo a uma demanda ainda não plenamente atendida em seu país.

Para ele, cada minuto gasto na UFRJ é um passo em direção à realização de um sonho que o acompanha há anos. Com a sabedoria que adquiriu ao longo de sua trajetória, Feliciano encara cada desafio como uma oportunidade de crescimento e aprendizado. E com a humildade de suas palavras, deixa-nos uma valiosa lição de vida:

“Fiz uma longa caminhada desde que terminei a licenciatura há 13 anos. Hoje vejo perfeitamente que todas essas tentativas fracassadas que quase me levaram à depressão só serviram para me mostrar que ainda não tinha encontrado a universidade para realizar o meu sonho. Agora só lamento que as 24 horas que o dia tem não me permitam estudar tudo o que preciso e que a UFRJ dispõe, então me contento em explorar ao máximo esse tempo que tenho, pois quando chegar a hora de voltar para o meu país, todas estas oportunidades vão ficar aqui no Brasil. Para mim, realmente, CADA MINUTO CONTA!”, ensina Feliciano.