Concertos UFRJ: Porgy and Bess

A edição desta semana de Concertos UFRJ apresenta uma seleção de trechos de Porgy and Bess, famosa criação do compositor norte-americano George Gershwin com seu irmão, o letrista Ira Gershwin, e o libretista DuBose Heyward. Heyward havia publicado em 1924 a novela Porgy, que foi, três anos mais tarde, adaptada para o teatro em colaboração com sua esposa Dorothy. É esta peça que Gershwin toma por base para sua ópera. Parceria da Escola de Música (EM) com a rádio Roquette Pinto, a série Concertos UFRJ conta com a produção e apresentação de André Cardoso, docente da Escola de Música, e vai ao ar toda segunda-feira, às 22h, na sintonia 94,1 FM.

 

podcast

Ouça aqui o programa: 

Toda segunda-feira, às 22h, tem "Concertos UFRJ" na Roquette Pinto FM. Sintonize 94,1 ou acompanhe pela internet!

Programas anteriores podem ser encontrados na seção Concertos UFRJ.

Concebida originalmente como uma “ópera folclórica norte-americana”, a primeira versão da Porgy and Bess, com duração de quatro horas (contando dois intermédios), foi apresentada privadamente em uma versão de concerto no Carnegie Hall, Nova York, no outono de 1935, e uma versão encenada no Colonial Theatre de Boston, em 30 de setembro do mesmo ano. Como os planos de montá-la no prestigioso Metropolitan Opera de Nova York não foram adiante, a estreia, em temporada regular, ocorreu em 10 de outubro no Alvin Theater, na Broadway.

 

Durante os ensaios em Boston, Gershwin fez muitos cortes e refinou a partitura, abreviando-a e enfatizando a força dramática das personagens e situações retratadas. Na Broadway a montagem chegou a 124 récitas. Com um elenco inteiramente formado por cantores negros, o que representou uma ousadia para a época, a produção e a direção couberam a Rouben Mamoulian, que já havia encenado peças de Heyward. O diretor musical foi Alexander Smallens.

 

Após a temporada na Broadway, a montagem seguiu, no ano seguinte, em uma turnê que visitou Filadélfia, Pittsburgh e Chicago até chegar em Washington, DC. Na capital norte-americana, o elenco, liderado por Todd Duncan, protestou contra a segregação do público no Teatro Nacional. A direção acabou cedendo e, pela primeira vez, um espetáculo foi levado à cena naquela casa para uma plateia “integrada”.

 

Nas duas décadas seguintes, a obra foi montada diversas vezes nos Estados Unidos e na Europa. A estreia no velho continente aconteceu no Teatro Real da Dinamarca, em Copenhague, e mais uma vez suscitou polêmicas já que foi interpretada por cantores brancos com os rostos pintados em plena ocupação nazista. Após 22 récitas esgotadas, as forças de ocupação proibiram o espetáculo.

 

Repercussão

 

Porgy and Bess foi recebida com desconfiança pelo público tradicional da ópera por conta de sua temática e da síntese musical inovadora, que mistura técnicas orquestrais europeias com o jazz, o blues, a música popular e o musical. Sofreu críticas também de setores à direita e à esquerda do espectro político norte-americano. Os conservadores, que sustentavam as práticas segregacionistas então vigentes, viram com desconfiança aquelas personagens negras que habitavam Catfish Row, um cortiço fictício de Charleston, na cidade portuária da Carolina do Sul. Por seu turno, setores comprometidos com os direitos civis e segmentos da esquerda criticaram o que consideraram estereótipos e clichês na representação da condição social das populações pauperizadas de afrodescendentes.

 

A comunidade negra norte-americana, em particular, foi muito reticente, pelo menos em um primeiro momento. Duke Ellington, entre outras críticas ácidas, apontou, debilidades musicais na formatação dos spiritual de Porgy and Bess e denunciou o que considerava a incapacidade dos autores captarem o “suingue” das ruas. Para Duke, aquilo não era jazz, nem tinha a ver verdadeiramente com as tradições afro-americanas. Afinal, o que dois judeus do Brooklyn (os Gershwin), filhos de imigrantes russos, e um aristocrata branco sulista (Heyward) poderiam entender da cultura negra?

 

Os musicólogos, em geral, têm reconhecido certa disjunção na partitura e apontam significativa influência do klezmer e de outras formas de musicalidade judaica nas melodias de Porgy and Bess. Não por acaso o pianista Oscar Levant, amigo de Gershwin, comentou ironicamente que Porgy and Bess “era a melhor ópera judaica já feita”. “Iídiche demais, Gullah de menos” ? completou, referindo-se ao idioma dos judeus do leste europeu e ao dos negros do sul dos Estados Unidos.

Fotos: Richard Tucker/Reprodução
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Fotos tiradas pelo tenor norte-americano Richard Tucker da montagem de 1935 na Broadway. Todd Duncan fez o papel de Porgy; Anne Brown, o de Bess; Warren Cole-man, o de Crown; John W. Bubbles, o de Sportin' Life; Henry Davis, o de Robbins; Ruby Elzy, o de Serena; Edward Matthews, o de Jake; Abbie Mitchell, o de Clara; e Georgette Harvey, o de Maria.

Reconhecimento

 

Apesar de novas produções, nos anos 1960 e início dos 1970 a obra experimentou significativo ocaso, em parte por causa do ambiente de grande afirmação dos direitos civis das minorias norte-americanas. A montagem de 1976, no Houston Grand Opera, que resgatou a partitura original e foi um triunfo artístico excepcional, marca a virada na maré da opinião pública. Após a estreia em Houston, a produção seguiu para a Broadway, no Teatro Uris, e mais tarde foi registrada pela RCA Records. Nove anos mais tarde, foi a vez do Metropolitan Opera de Nova York encenar a obra pela primeira vez em seus palcos.

 

Desde então a enorme qualidade musical de Porgy and Bess suplantou senões e reticências. Hoje a ópera integra o repertório regular de grandes companhias e costuma ser executada nas melhores casas de espetáculo do mundo. Por conta de seu apelo rítmico, harmonias com o tempero do jazz e melodias inesquecíveis como a de “A Woman Is A Sometime Thing”, certamente a mais conhecida canção de Gershwin (os versos são de Heyward), encanta cada vez mais o público. Além dessa, muitas outras árias ganharam vida própria nas vozes de grandes cantoras norte-americanas como Billie Holiday e Ella Fitzgerald e na insuperável sensibilidade de instrumentistas como Louis Armstrong e Miles Davis. Entre elas, “Bess, you is my woman now”, “I loves you Porgy” e “I got plenty o nuttin”.

 

Argumento

 

O libreto, que conta a história de Porgy, um mendigo aleijado que vive nos cortiços de Charleston, fala sobre sua tentativa de resgatar a amada Bess das garras de Crown, seu amante violento e possessivo, e de Sportin’ Life, o traficante com quem Bess, ao final, foge para Nova York. A história mistura humor, romance e drama e permitiu ao compositor escrever uma partitura em que os momentos líricos e as passagens sinfônicas se alternam com números de dança e canções no estilo dos musicais da Broadway. Destaque ainda para a introdução orquestral e o coro inicial que convergem para uma deliciosa passagem em que um solo de piano lembra aqueles surrados instrumentos encontrados nos cabarés populares.

 

A gravação veiculada pelo programa conta com o barítono Simon Estes cantando os papéis de Porgy e Sportin’ Life, a soprano Roberta Alexander interpretando Bess, Clara e Serena e a mezzo-soprano Diane Curry como Maria. O coro e a orquestra sinfônica da rádio de Berlim são conduzidos pelo maestro Leonard Slatkin.

 

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Parceria da Escola de Música (EM) com a rádio Roquette Pinto, a série Concertos UFRJ  vai ao ar toda segunda-feira, às 22h, na sintonia 94,1 FM. As edições do programa podem ser acompanhadas on line ou por meio do podcast, audio sob demanda, da rádio Roquette Pinto. Contatos através do endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

 

Porgy and Bess

 

George Gershwin
Libreto de Ira Gershwin e DuBose Heyward

CD

Personagens principais


Porgy, aleijado (barítono baixo)

Bess, amante de Crown (soprano lírico-spinto)

Crown, estivador (barítono)

Sportin’ Life, traficante de drogas (tenor ligeiro)

Serena, mulher de Robbins (soprano lírico-spinto)

Robbins, um jogador

Clara, mulher de Jake (soprano ligeiro)

María, (contralto)

Jake, pescador (barítono)

 

A obra transcorre em Catfish Row, um miserável subúrbio nas vizinhanças do porto de Charleston, Carolina del Sur, EUA, na década de 1920.

Ato 1


O cortiço está animado. Porgy está apaixonado por Bess, cujo namorado, Crown, joga com outros homens. Quando Robbins ganha nos dados, Crown o apunhala num acesso de fúria. A polícia chega, Crown foge e Bess se refugia com Porgy. Serena chora a morte do marido com amigos em seu quarto. Um detetive interroga e detém um inocente.

 

Ato 2


Porgy e Bess se apaixonam. Num piquenique numa ilha onde Crown se esconde ela, porém, deixa-se seduzir novamente por ele. De volta a Catfish Row, atormentada, jura a Porgy que ainda o ama. Com a chegada de um furacão, todas cantam por proteção de Deus. Crown volta à procura de Bess.

 

Ato 3


Todos consolam a viúva dos pescador que perdeu o marido na tempestade. Como Crown insiste em levar Bess, Porgy o apunhala. Ninguém o delata. O detetive leva Porgy para identificar o corpo de Crown e acaba preso uma semana por desacato. Ao sair, descobre que Bess fugiu para Nova York na companhia de Sportin’ Life, traficante de drogas, seu novo amor. Ele nem sabe onde fica a cidade, mas se põem à estrada para encontrá-la.